Até aqui vimos análises sobre o poder e a política que privilegiam suas relações com o Estado. Mas existem pensadores que analisam a questão do poder e da política de modo diferente: não dão primazia às relações com o Estado, mas a elementos que estão presentes em todos os momentos de nossa vida. Entre eles, destacamos os franceses Michel Foucault (1926-1984) e Gilles Deleuze (1925-1995). Foucault se propôs analisar a sociedade com base na disciplina no cotidiano. Para ele , todas as instituições procuram disciplinar os indivíduos desde que nascem. Assim acontece na família , na escola , nos quartéis , nos hospitais , nas prisões , etc., pois o fundamental é distribuir , vigiar e adestrar os indivíduos em espaços determinados. Diz ele que, além dos aspectos institucionais ou até jurídicos dessas instituições, esse poder desenvolve-se por meio de gestos, atitudes e saberes. É o que chama de "arte de governar" , entendida como a racionalidade política que determina a forma de gestão das condutas dos indivíduos de uma sociedade. Nesse sentido , em seu livro "Microfísica do Poder", ele afirma : " nada é político, tudo é politizável, tudo pode tornar-se político". Seguindo as pistas de Foucault, Deleuze declara que vivemos ainda numa sociedade disciplinar , mas já estamos percebendo a emergência de uma sociedade de controle. A sociedade disciplinar é a que conhecemos desde o século XVIII. Ela procura organizar grandes meios de confinamento : a família , a escola , a fábrica , o exército e , em alguns casos , o hospital e a prisão. O indivíduo passa de um espaço fechado para outro e não para de recomeçar , pois em cada instituição deve aprender alguma coisa, principalmente a disciplina específica do lugar. Na sociedade disciplinar , a fábrica , por exemplo, é um espaço fixo e confinado onde se produzem bens. A fábrica concebe os indivíduos como um só corpo , com a dupla vantagem de facilitar a vigilância por parte dos patrões , que controlam cada elemento na massa, e de facilitar a tarefa dos sindicatos , que mobilizam uma massa de resistência. O que nos identifica , na escola no exército , no hospital , na prisão ou nos bancos , é a assinatura e o número na carteira de identidade e na carteira profissional, além de diversos outros documentos. A sociedade de controle está aparecendo lentamente , e alguns de seus indícios já são perceptíveis . Ela é como uma "prisão ao ar livre", na expressão do filósofo e sociólogo alemão Theodor Adorno . Os métodos de controle utilizados são de curto prazo e de rotação rápida , mas contínuos e eliminados. São permanentes e de comunicação instantânea . Como não têm um espaço definido , podem ser exercidos em qualquer lugar. Exemplos de modos de controlar as pessoas constantemente são as avaliações permanentes e a formação continuada. Outra forma de controle contínuo são os "conselhos" a respeito da saúde que estão presentes em todas as publicações , na televisão e na internet: " Não coma isso porque pode engordar ou aumentar o nível de colesterol ruim. Faça exercícios pela manhã ou pela tarde , desta ou daquela maneira , para ter uma vida mais saudável. Tome tal remédio para isso, ms não tome para aquilo". Os controles nos alcançam em todos os momentos e lugares. Não há possibilidade de fuga. Se na sociedade disciplinar o elemento central de produção é a fabricação , na de controle é a empresa , algo mais fluido. Se a fábrica já conhecia o sistema de prêmios , a empresa o aperfeiçoou como uma modulação para cada salário , instaurando um estado de eterna instabilidade e desafios. Se a linha de produção é o coração da fábrica , o serviço de vendas é a alma da empresa. O marketing é agora o instrumento de controle social por excelência - possui natureza de curto prazo e rotação rápida , mas também contínuo e ilimitado , ao passo que a disciplina é de longa duração, infinita e descontínua. O lugar do marketing em nossa sociedade é evidente , uma vez que somos todos vistos como consumidores. O convencimento é ao mesmo tampo externo (pela recepção da mensagem) e interno (pela própria natureza do convencimento). Ao ser interiorizada , a coerção afinal aparece como um imperativo. Se tudo pode ser comprado e vendido , por que não as consciências , os votos e outras coisas mais? A corrupção em todos os níveis ganhou nova potência. O que nos identifica cada vez mais é a senha. Cada um de nós é apenas um número , parte de um banco de dados de amostragem. A quantidade de senhas de que necessitamos para nos relacionar virtualmente com as pessoas ou com instituições é enorme e , sem elas , ficamos isolados. Se na sociedade disciplinar há sempre um indivíduo vigiando os outros em várias direções num lugar confinado, na sociedade de controle todos olham para o mesmo lugar. A televisão é um bom exemplo disso, pois milhares de pessoas estão sempre diante do aparelho. Na final do campeonato mundial de futebol em 2006, cerca de um bilhão e meio de pessoas estavam conectadas ao jogo.
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