"Enquanto para a Europa ocidental a época das cruzadas era o início de uma considerável revolução, ao mesmo tempo, econômica e cultural, no Oriente, as guerras santas iam desembocar em longos séculos de decadência e de obscurantismo . Sitiado por todas as partes , o mundo muçulmano se enrosca em si mesmo. Tornou-se fiorento, defensivo , estéril , tantas atitudes que se agravam à medida que prossegue a evolução planetária, em relação à qual ele se sente marginalizado. Doravante , o progresso é o outro. O modernismo é o outro. Seria preciso afirmar sua identidade cultural e religiosa rejeitando esse modernismo que simbolizava o Ocidente?[...] Ao mesmo tempo fascinado e aterrorizado por esses franj [nome dado pelos árabes aos cruzados europeus] que conheceu bárbaros , os quais venceu mas que , depois, conseguiram dominar a terra , o mundo árabe não pode resolver-se a considerar as cruzadas como um simples episódio de um passado remoto. Muitas vezes nos surpreendemos ao descobrir a que ponto a atitude dos árabes , e dos muçulmanos em geral, com relação ao Ocidente continua influenciada ainda hoje por acontecimentos que se considera terem encontrado o seu término há sete séculos. Ora , às vésperas do terceiro milênio, os responsáveis políticos e religiosos do mundo árabe se referem constantemente , a Saladino [herói muçulmano perpetuamente agredido, não se pode impedir a emergência de um sentimento de perseguição, que torna , ente alguns fanáticos, a forma de uma perigosa obsessão: não se viu, a 13 de maio de 1981, o turco Mehemet Ali Agca atirar no papa após ter explicado numa carta: 'Decidi matar João Paulo II, comandante supremo dos cruzados'? Além desse ato individual , está claro que o Oriente árabe vê sempre no Ocidente um inimigo natural. Contra ele, todo ato hostil, quer seja político, militar ou relativo ao petróleo , não passa de desforra legítima. E não se pode duvidar de que a ruptura entre estes dois mundos data das cruzadas , vistas pelos árabes , ainda hoje , como uma violação."
-MAALOUF, Amin. As Cruzadas Vistas Pelos Árabes.3.ed. São Paulo Brasiliense, 1998. P. 244 e 245.