A separação entre cultura popular e cultura erudita , com a atribuição de maior valor à segunda, está relacionada à divisão da sociedade m classes, ou seja, é resultado e manifestação das diferenças sociais. Há, de acordo com essa classificação, uma cultura identificada com os segmentos populares e outra , superior , identificada com as elites. A cultura abrangeria expressões artísticas como a música clássica de padrão europeu, artes plásticas - Escultura e pintura ---, o teatro e a literatura de cunho universal. Esse produtos culturais, como qualquer mercadoria, podem ser comprados e, em alguns casos , até deixados de herança como bens físicos. A chamada cultura popular encontra expressão nos mitos e contos , danças, música --- de sertaneja a cabocla ---, artesanato rústico de cerâmica ou de madeira e pintura; corresponde, enfim , à manifestação genuína de um povo. Mas não se restringe ao que é tradicionalmente produzido no meio rural. Inclui também expressões urbanas recentes, como os grafites, o hip hop e os sincretismos musicais oriundos do interior ou das grandes cidades , o que demonstra haver contante criação e recriação no universo cultural de base popular. Nesse universo quem cria é o povo, nas condições possíveis. A palavra "folclore" significa "discurso do povo", " sabedoria do povo " ou "conhecimento do povo". Para examinar criticamente essa diferenciação , voltemos ao termo "cultura", agora segundo a análise do pensador brasileiro Alfredo Bosi. De acordo com Bosi, não há no grego uma palavra específica para Cultura; há sim, uma palavra que se aproxima desse conceito, que é "paideia", "aquilo que se ensina à criança", "aquilo que deve ser trabalhado na criança até que ela se transforme em adulta". A palavra "cultura" vem do latim e designa "o ato de cultivar a terra', de "cuidar do que se planta", ou seja, é o trabalho de preparar o solo, semear e fazer tudo para que uma planta cresça e dê frutos. Cultura está assim vinculada ao ato de trabalhar, a determinada ação, seja a de ensinar uma criança, seja a de cuidar de um plantio. Se pensarmos nesses sentido original, todos têm acesso à cultura, pois todos podem trabalhar. Para escrever um romance, é preciso trabalhar uma narrativa; para fazer uma toalha de renda, uma música, uma mesa de madeira ou uma peça de mármore, é necessário trabalhar. Para Bosi, isso é cultura. E é por essa razão que os produtos culturais gerados pelo trabalho chamam-se obras, que vem de opus, derivado do verbo operar, ou seja , é o processo de fazer, de criar algo. Se uma pessoa compra um livro, um disco, um quadro ou uma escultura, vai ao teatro ou a exposições, adquire, mas não produz cultura, ou seja, ela pode possuir ou ter acesso aos bens culturais gerados pelo trabalho, sem produzi-los. Esses bens servem para proporcionar deleite e prazer, e são usados por algumas pessoas para afirmar e mostrar que "possuem cultura", quando são apenas consumidoras de uma mercadoria como qualquer outra. Não ter acesso a esses bens não significa, portanto, não ter cultura. Bosi chama a atenção para o fato de haver em muitos países órgãos públicos que procuram desenvolver ações para "conservar a cultura popular original", com certo receio de que ela não resista ao avanço da indústria cultural. Ora, os produtos culturais são criados em determinadas condições, remodelando-se continuamente , como ocorre comas festas, as músicas, as danças, o artesanato e outras tantas manifestações.
Nesse sentido, é necessário analisar a cultura como processo, como ato de trabalho no tempo que não se extingue. A criação cultural não morre com seus autores, e basta que o povo exista para ela sobreviva. Entenda-se aqui povo não como uma massa amorfa e homogênea de oprimidos submissos, mas como um conjunto de indivíduos , com ideias próprias e capacidade criativa e produtiva, que resiste muitas vezes silenciosamente e capacidade criativa e produtiva , que resiste muitas vezes silenciosamente, sobretudo por meio da produção cultural, como seus cantos e festas. Para bosi, a cultura é alguma coisa que se faz , e não apenas um produto que se adquire. É por isso que não tem sentido comparar cultura popular com cultura erudita. Quando afirmamos que ter cultura significa ser superior e não ter cultura significa ser inferior, utilizamos a condição de posse de cultura como elemento para diferenciação social e imposição de superioridade que não existe. Isso é ideologia.